terça-feira, 26 de agosto de 2014

Sistema de ‘score’ de crédito é discutido em audiência pública no STJ


Ferramenta que classifica se cliente tem maior ou menor chance de se tornar devedor é criticada por órgãos de defesa do consumidor


Utilização do sistema é polêmica, já que o resultado obtido é levado em conta por empresas para decidir se concedem ou não crédito ao consumidor - Adriano Machado / Bloomberg

BRASÍLIA - O uso dos chamados “sistemas de scoring”, ferramenta que avalia o perfil de consumidores, gerando pontuação que classifica a maior ou a menor probabilidade de inadimplência, foi tema da primeira audiência pública realizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em toda a sua história, que ocorreu nesta segunda-feira, em Brasília. A utilização do sistema é polêmica, segundo órgãos de defesa do consumidor, já que o resultado obtido é usado por empresas da área financeira para decidir se concedem ou não crédito e não há regulação sobre a forma como esses dados são tratados e a segurança envolvida nesse processo.

O STJ ouviu representantes de instituições favoráveis e contrárias ao uso da ferramenta. O objetivo da audiência foi subsidiar o julgamento de um processo que chegou ao tribunal, no qual a Boa Vista, Administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito recorreu da decisão judicial que manda indenizar um consumidor que teve cartões de bancos e lojas negados.
— Há 130 mil processos contestando o sistema pelo uso indevido dessas informações, a maioria da região Sul do país. Caso o STJ julgue que é procedente a atuação dessas empresas, todos os consumidores que pedem indenização vão perder e será criada jurisprudência que validará a forma de atuação dessas empresas (de classificação de risco) — explicou Larissa Davidovich, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Rio, que se manifestou contrária ao sistema durante a audiência.
Senacon enviou nota técnica ao STJ
Contrários ao uso do sistema de pontuação, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Proteste - Associação de Consumidores, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado do Rio encaminharam representantes à audiência no STJ. E a Secretaria Nacional do Consumidor encaminhou nota técnica a respeito do tema, alertando para a necessidade de transparência para o consumidor sobre os dados divulgados sobre ele pelas empresas. Já representantes dos bancos defenderam a utilização da ferramenta pelo mercado, destacando que seria um meio de incentivar o uso responsável do crédito.
Ainda de acordo com Larissa Davidovich, os órgãos de defesa do consumidor sabem que o sistema de ranking existe em todo o mundo, mas em outros países ele “é regulado, há transparência e o consumidor tem acesso aos dados”. Além disso, explica, o consumidor sabe quais informações a seu respeito foram incluídas no cadastro e tem a possibilidade de retificá-las.
— Aqui há casos em que a pontuação negativa é dada por ajuizamento de ações e, até mesmo quando o consumidor é negativado indevidamente, é punido em sua classificação. Ou seja, se for negativado indevidamente e entrar na Justiça por isso, será punido duplamente — destacou a defensora pública.
Consumidor deve saber critérios usados por empresas
Na avaliação do presidente da Comissão de Direito do Consmidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF), Fernando Martins, o uso da ferramenta fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para Martins, é essencial que a população saiba quais foram os critérios usados pelas empresas para negar o acesso ao crédito.
— Nós queremos que todos os parâmetros que levaram a não concessão do crédito sejam disponibilizados. Assim, o consumidor pode melhorar sua atividade financeira, poderá se desenvolver economicamente e conseguir o crédito que almeja. O sistema não é infalível, pode trazer informações equivocadas como dívidas já prescritas. Como o consumidor não tem acesso, não tem como informar que já foi prescrita e acaba se prejudicando. Ele não tem o controle na hora de dizer se as informações são verídicas ou não — disse.
Os que defendem o uso do sistema destacam que todas as informações usadas para avaliação são públicas. Segundo eles, dados disponibilizados por instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) são algumas das fontes. Outro ponto destacado é que a ferramenta não constitui uma base de dados, e sim uma estatística de perfil na qual o consumidor é inserido de acordo com diversas características como, por exemplo, idade, renda e local de residência.
Estefânia Viveiros, representante da Serasa, empresa privada de análises e pesquisas de informações econômicas e financeiras, criada pelos bancos, informou que as dívidas do consumidor têm pesos diferentes na avaliação, e as dívidas prescritas não são utilizadas. A advogada destacou que o fato de estar com o nome negativado é de conhecimento do consumidor, pois a lei brasileira exige comunicação prévia.
— Não vejo prejuízo ao direito do consumidor, por serem informações públicas, que ele já tem conhecimento. Esta estatística não é individualizada, é por grupo. Em razão disso, considero que no momento que ele saiba a forma como atuou, deixou de pagar, foi notificado.Vejo que é um cadastro compatível com as regras da legislação — argumentou.
Atualmente, os processos que tratam deste tema estão parados, em todo o país, à espera do posicionamento do STJ pela legalidade ou não do sistema. A decisão dos ministros será usada como base para todos os processos.

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