Ferramenta que classifica se cliente
tem maior ou menor chance de se tornar devedor é criticada por órgãos de defesa
do consumidor
Utilização do sistema é polêmica, já
que o resultado obtido é levado em conta por empresas para decidir se concedem
ou não crédito ao consumidor - Adriano Machado / Bloomberg
BRASÍLIA - O uso dos chamados “sistemas
de scoring”, ferramenta que avalia o perfil de consumidores,
gerando pontuação que classifica a maior ou a menor probabilidade de
inadimplência, foi tema da primeira audiência pública realizada pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) em toda a sua história, que ocorreu nesta
segunda-feira, em Brasília. A utilização do sistema é polêmica, segundo órgãos
de defesa do consumidor, já que o resultado obtido é usado por empresas da área
financeira para decidir se concedem ou não crédito e não há regulação sobre a
forma como esses dados são tratados e a segurança envolvida nesse processo.
O STJ ouviu representantes de
instituições favoráveis e contrárias ao uso da ferramenta. O objetivo da
audiência foi subsidiar o julgamento de um processo que chegou ao tribunal, no
qual a Boa Vista, Administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito
recorreu da decisão judicial que manda indenizar um consumidor que teve cartões
de bancos e lojas negados.
— Há 130 mil processos contestando o
sistema pelo uso indevido dessas informações, a maioria da região Sul do país.
Caso o STJ julgue que é procedente a atuação dessas empresas, todos os
consumidores que pedem indenização vão perder e será criada jurisprudência que
validará a forma de atuação dessas empresas (de classificação de risco) —
explicou Larissa Davidovich, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor
(Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Rio, que se manifestou contrária
ao sistema durante a audiência.
Senacon enviou nota técnica ao STJ
Contrários ao uso do sistema de
pontuação, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Proteste -
Associação de Consumidores, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do
Consumidor (Brasilcon), o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado
do Rio encaminharam representantes à audiência no STJ. E a Secretaria Nacional
do Consumidor encaminhou nota técnica a respeito do tema, alertando para a
necessidade de transparência para o consumidor sobre os dados divulgados sobre
ele pelas empresas. Já representantes dos bancos defenderam a utilização da
ferramenta pelo mercado, destacando que seria um meio de incentivar o uso
responsável do crédito.
Ainda de acordo com Larissa Davidovich,
os órgãos de defesa do consumidor sabem que o sistema de ranking existe em todo
o mundo, mas em outros países ele “é regulado, há transparência e o consumidor
tem acesso aos dados”. Além disso, explica, o consumidor sabe quais informações
a seu respeito foram incluídas no cadastro e tem a possibilidade de
retificá-las.
— Aqui há casos em que a pontuação
negativa é dada por ajuizamento de ações e, até mesmo quando o consumidor é
negativado indevidamente, é punido em sua classificação. Ou seja, se for
negativado indevidamente e entrar na Justiça por isso, será punido duplamente —
destacou a defensora pública.
Consumidor deve saber critérios usados
por empresas
Na avaliação do presidente da Comissão
de Direito do Consmidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal
(OAB/DF), Fernando Martins, o uso da ferramenta fere o Código de Defesa do
Consumidor (CDC). Para Martins, é essencial que a população saiba quais foram
os critérios usados pelas empresas para negar o acesso ao crédito.
— Nós queremos que todos os parâmetros
que levaram a não concessão do crédito sejam disponibilizados. Assim, o
consumidor pode melhorar sua atividade financeira, poderá se desenvolver
economicamente e conseguir o crédito que almeja. O sistema não é infalível,
pode trazer informações equivocadas como dívidas já prescritas. Como o
consumidor não tem acesso, não tem como informar que já foi prescrita e acaba
se prejudicando. Ele não tem o controle na hora de dizer se as informações são
verídicas ou não — disse.
Os que defendem o uso do sistema
destacam que todas as informações usadas para avaliação são públicas. Segundo
eles, dados disponibilizados por instituições como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) são algumas das fontes. Outro ponto destacado é que a ferramenta não
constitui uma base de dados, e sim uma estatística de perfil na qual o
consumidor é inserido de acordo com diversas características como, por exemplo,
idade, renda e local de residência.
Estefânia Viveiros, representante da
Serasa, empresa privada de análises e pesquisas de informações econômicas e
financeiras, criada pelos bancos, informou que as dívidas do consumidor têm
pesos diferentes na avaliação, e as dívidas prescritas não são utilizadas. A
advogada destacou que o fato de estar com o nome negativado é de conhecimento
do consumidor, pois a lei brasileira exige comunicação prévia.
— Não vejo prejuízo ao direito do
consumidor, por serem informações públicas, que ele já tem conhecimento. Esta
estatística não é individualizada, é por grupo. Em razão disso, considero que
no momento que ele saiba a forma como atuou, deixou de pagar, foi
notificado.Vejo que é um cadastro compatível com as regras da legislação —
argumentou.
Atualmente, os processos que tratam
deste tema estão parados, em todo o país, à espera do posicionamento do STJ
pela legalidade ou não do sistema. A decisão dos ministros será usada como base
para todos os processos.

Nenhum comentário:
Postar um comentário