
Sem resposta. A advogada Nathália Ripoll encontrou resistência do supermercado por avaria na lataria do carro
- Fábio Rossi
RIO — Enquanto a advogada Nathália Ripoll fazia compras no supermercado Mundial do Recreio, seu carro, que estava parado no estacionamento da loja, foi riscado de ponta a ponta. Ela procurou a gerência para pedir a reparação do prejuízo — sem sucesso. Inconformada, Nathália recorreu à Defesa do Consumidor do GLOBO. A empresa, então, apresentou uma proposta para pagar metade do valor do conserto do carro. Mas ela não aceitou. Usou como argumento a súmula 130 do Superior do Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento”. O texto do STJ é baseado no Código de Defesa do Consumidor, que não fala explicitamente em estacionamento, mas garante a responsabilidade das empresas. Um mês depois, o supermercado acabou pagando o valor integral do conserto.
— Chamou a atenção o fato de que todo o contato da empresa comigo jamais tenha sido feito por escrito. É como se não quisessem produzir provas contra eles. Eu só consegui ter meu direito garantido porque tenho o entendimento legal sobre o assunto e insisti — conta Natália.
COBRANÇA INDIRETA NÃO É EXCEÇÃO
O diretor jurídico do Procon do Rio de Janeiro, Carlos Eduardo Amorim, explica que mesmo as lojas que não cobram taxa de estacionamento de seus clientes — o que configura cobrança indireta — são responsáveis por qualquer dano ao veículo, como batidas e arranhões.
Segundo Amorim, a empresa não pode sequer exibir avisos eximindo-se da responsabilidade por roubo de objetos deixado no carro.
— Se você deixou o carro lá, tem de receber e devolver na mesma condição. Se você deixou sem um arranhão, tem de sair com ele da mesma forma. Qualquer dano deve ser ressarcido integralmente —ressalta Amorim.
O engenheiro Madson André de Freitas viu o manobrista bater seu carro em outro que estava parado no Estapar da Rua Visconde de Pirajá 595, em Ipanema, minutos após deixar o veículo no local. O supervisor recomendou que ele entrasse em contato com SAC da empresa e, feito o contato, ouviu do atendente que era necessário esperar três dias úteis para que a empresa apresentasse uma solução. Passado o prazo, nenhum contato. Freitas passou quase dois meses atrás alguém da empresa que o ajudasse a ser ressarcido pelo prejuízo.
— Só consegui porque fui atrás. Prometiam contato e ninguém ligava ou dava satisfação. O valor pago pela Estapar cobriu a despesa com a concessionária, mas o tempo perdido atrás dos orçamentos para o conserto, três no total, que tive de apresentar à empresa ninguém viu. E sabemos que tempo é dinheiro — reclama ele.
Como o engenheiro testemunhou o acidente, não correu o risco de ouvir da empresa que o veículo não teria sido avariado ali dentro. Segundo a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Mariana Alves Tornero, essa desculpa é usada com frequência para justificar danos em estacionamentos.
— Nesses casos há a inversão do ônus da prova, isto é, o fornecedor do serviço é quem tem de provar que o problema não ocorreu lá dentro. Além disso, ele é responsável pela segurança e guarda. Em caso de crime, deve ser responsabilizado pelo prejuízo ao consumidor. A Justiça entende que o estacionamento é uma extensão da loja, do banco, do restaurante ou do centro comercial que o oferece ao cliente — explica Mariana.
A regra muda nas vagas de rua, oferecidas pela prefeitura. De acordo com especialistas, quem tem o carro avariados ou roubado nessas vagas pode acionar a Justiça, mas não com base no Código de Defesa do Consumidor.
A professora de inglês Maria das Graças Labrunie perdeu o valor de uma diária por ter feito o pagamento adiantado. Ela gastou R$ 12 pela vaga no Planetário da Gávea, no estacionamento administrado pela Valet Parking, e seguiu para um compromisso ali perto, mas a data havia sido alterada.
— Voltei dez minutos depois e pedi o valor pela diária que eu não iria usar. Não me restituíram nada, tampouco me deram a nota fiscal do serviço. Muito tempo depois é que me enviaram o documento, depois de eu muito reclamar.
Para a advogada do Idec, a empresa usou de má fé:
— Ela não dispôs do serviço no resto do dia. Logo, a empresa lucrou com aquela vaga duas vezes ou mais na data. Caberia, no máximo, a cobrança da fração de tempo mínima, que costuma ser de uma hora.
EMPRESA DIZ QUE É NECESSÁRIO DOCUMENTAÇÃO
Em 2014 e 2015, os fiscais do Procon-RJ fizeram 11 operações em estacionamentos do Rio. Um foi suspenso, e outros 82, autuados. Entre as irregularidades mais comuns estão o desrespeito ao número mínimo de vagas reservadas a idosos (5%) e pessoas com necessidades especiais (2%); restrições quanto à responsabilidade por objetos deixados nos carros; falta da tabela de preços do serviço, da apólice de seguros e do livro de reclamações.
Quando o assunto são os preços cobrados, o céu é o limite. Não existe legislação que limite quanto pode ser cobrado por período ou fração.
— O que não pode acontecer é um aumento injustificado de um dia para outro. Se todo dia o valor cobrado pela hora é de R$ 10, num dia específico, como o Réveillon, não pode cobrar R$ 50, R$ 100. Nestes casos, é importante o consumidor fazer a denúncia ao Procon, que vai averiguar e, se entender que houve abuso, multar a empresa — exemplifica o diretor jurídico do Procon-RJ.
Para evitar problemas, o Idec aconselha evitar estacionamentos clandestinos, pedir e guardar tíquete e nota fiscal com dia, horário e preço pago pelo serviço. E também é importante conferir se a hora de entrada e a de saída correspondem à realidade.
Em caso de danos, o Idec diz que o cliente deve fotografar o carro e, se possível, gravar os relatos dos funcionários sobre o ocorrido. Além disso, pedir documentos comprobatórios do sinistro — requerer imagens do sistema de vigilância interna é possível —, além de registrar um boletim de ocorrência na delegacia, para servir de prova caso não haja acordo com a empresa.
A Estapar informa que a demora no atendimento do cliente Madson de Freitas ocorreu por falta de documentos. “As reclamações envolvendo sinistros em sua rede de estacionamentos exigem que a documentação solicitada pela equipe seja apresentada pelo cliente para que o problema seja resolvido dentro do prazo previsto”, diz a empresa. O Valet Parking e o Mundial não se manifestaram.
ALERTA LIGADO
Exija o tíquete - No comprovante deve constar endereço, data, hora e valor do serviço
Confira a hora - Compare o horário que consta no tíquete com o marcado pelo relógio
Clareza no preço - Placas e cartazes devem mostrar o valor por período, sem pegadinhas
Fotografe - Em caso de acidente ou incidente, registre o ocorrido em imagens, relate à empresa e faça Boletim de Ocorrência na polícia
Reclame na hora - Faça constar o seu direito no ato. Facilita e agiliza a solução do problema